“Estamos criando uma rede sustentável assentada no transporte ativo, onde o caminhar e o pedalar se integrarão ao transporte feito exclusivamente por ônibus elétricos”, disse Carlos Barreiro, com exclusividade ao Diário do Transporte/ANTP
Diferentemente do que deve ocorrer com a licitação dos transportes da capital paulista, em Campinas, no interior de São Paulo, a concorrência que deve ser realizada até o final deste ano vai prever que a região central tenha os menores impactos ambientais possíveis pela operação dos serviços. Para isso, será criada a Área Branca, por onde só vão circular ônibus elétricos.
É o que revela em entrevista exclusiva ao Diário do Transporte, em parceria com a ANTP – Associação Nacional de Transporte Público, o engenheiro Carlos José Barreiro, atual secretário de Transportes de Campinas e presidente da EMDEC – Empesa Municipal de Desenvolvimento de Campinas S.A.
Segundo o secretário, a cidade será divida em seis áreas de concessão e mais uma que abrange a zona central da cidade. Esta última está sendo chamada pela Administração de “Área Branca”, que terá como foco a melhoria da questão ambiental.
Para tanto, nesta região, interligando os terminais do centro ao entorno, um conjunto de medidas será realizado visando garantir a sustentabilidade, envolvendo todos os modais de transporte ativo.
“Todos os ônibus da Área Branca serão elétricos”, garante Barreiro.
O secretário disse também que o Plano Diretor (PD), que está em revisão pela Prefeitura, colocará algumas premissas básicas que irão garantir na região central a mobilidade assentada na sustentabilidade ambiental.
Dentre as premissas traçadas na revisão do PD estão os princípios traçados pelo DOTs – Desenvolvimento Orientado ao Transporte Sustentável (DOTS, em tradução do termo original em inglês “Transit Oriented Development”). O que, traduzindo em ações práticas, Barreiro explica, transformará a região central de Campinas numa zona privilegiada para o transporte ativo, com estímulo aos pedestres, ao uso da bicicleta e ao transporte público realizado por ônibus elétricos, e num desestímulo cada vez maior ao uso do automóvel. “Será o privilégio do não-motorizado em detrimento do motorizado”, ele resume.
Os investimentos em ciclovias segregadas serão intensivos, com a implantação de um grande Plano Cicloviário na área central e demais regiões do município, permitindo que todo o percurso possa ser feito através da integração desses modais sustentáveis. “Estamos criando uma rede sustentável assentada no transporte ativo, onde o caminhar e o pedalar se integrarão ao transporte feito exclusivamente por ônibus elétricos”, ele afirma. Nesse projeto inclui-se também a adoção massiva de um sistema de bike-sharing.
CONCESSÃO DE PONTOS DE PARADA EXIGIRÁ INFORMAÇÃO AO USUÁRIO
Ainda sobre a licitação do sistema de transportes, Barreiro afirma que será incluída no certame a concessão dos pontos de embarque. Ele se refere aos pontos da região central – uma área num raio de 5 km -, mais os pontos de parada dos nove corredores. No total, isso representa 40% dos pontos de parada de toda a cidade, que despendem 70% de todo o custo de manutenção. A empresa vencedora poderá explorar comercialmente a publicidade nos pontos.
O secretário explica que as paradas de ônibus deverão disponibilizar informações ao passageiro.
“Há quase dois anos nós desenvolvemos um aplicativo que fornece todas as informações dos 1.250 ônibus da cidade, como localização, traçado da linha, horário de chegada ao ponto. Tudo isso está ligado ao Núcleo de Monitoramento de Transporte (NUMT), que se baseia no sistema AVL (Automatic Vehicle Location, Localização Automática de Veículos) para rastrear e gerenciar a operação de todos os ônibus em tempo real”.
OBRAS DO BRT COMEÇAM EM AGOSTO:
O secretário também falou com o Diário do Transporte e com a ANTP sobre o sistema de corredores de ônibus BRT na cidade.
Barreiro afirmou que a obra, com 37 km de extensão, distribuída em três corredores, está pronta para ser iniciada, o que deve ocorrer, segundo ele, já em meados de agosto.
“A obra fora estimada, inicialmente, em R$ 550 milhões, mas ao realizarmos a licitação, no final de 2016, conseguimos derrubar este valor para R$ 451,5 milhões”, diz Barreiro. Foram 4 lotes, vencidos por 4 consórcios e empresas diferentes.
Com a recente visita do ministro das Cidades a Campinas, Bruno Araújo, no final de março, ocasião em que o início da obra foi autorizado, as ações começaram a se suceder com celeridade. No dia 15 de maio o prefeito Jonas Donizette assinou com a Caixa Econômica Federal (CEF) o contrato de financiamento de R$ 100 milhões para dar início às obras. Com isso, a equação financeira fechou.
Barreiro explica que dos R$ 451,5 milhões previstos, R$ 200 milhões já estavam garantidos com recursos do FGTS, dentro do PAC – Mobilidade, programa do Governo Federal. Outros R$ 100 milhões, previstos no orçamento da União, somam-se agora aos recursos autorizados pela CEF. A parte da prefeitura, que fecha a conta, é de R$ 50 milhões, e já está garantida.
“O BRT atenderá uma população de 450 mil pessoas, e terá capacidade de transportar 250 mil por dia”, diz Barreiro. A obra do BRT começará pelo corredor Campo Grande, e o prazo para a conclusão total do projeto de implantação é de três anos, contados a partir de maio de 2017. Portanto, em 2020 a cidade de Campinas já poderá contar com seu BRT.
NÃO HÁ MAIS COBRADOR EM CAMPINAS
No dia 18 de maio o Ministério Público do Trabalho (MPT) de Campinas ingressou com uma ação civil pública contra as empresas de ônibus. O motivo: impedir que motoristas de ônibus acumulem a função de cobrador, o que, segundo o MPT, configuraria dupla função.
Barreiro disse que esta é uma discussão que muito em breve perderá sentido. Ele conta que hoje apenas 8% das tarifas são pagas em dinheiro. E logo, logo, o dinheiro vai ser extinto do sistema de transporte da cidade, uma meta perseguida pela Prefeitura desde 2014.
Desde aquele ano a prefeitura vem discutindo a extinção da figura do cobrador. Com apoio do SEST / SENAT, foram oferecidos vários cursos de capacitação e requalificação profissional aos cobradores, todos eles na cadeia do setor, como motorista de ônibus, borracheiro e atividades administrativas.
Ao lado de se preocupar com o fator humano, buscando soluções para a requalificação dos 1.800 cobradores, a Prefeitura teve que avançar no desenvolvimento da tecnologia.
“Desde janeiro estamos testando uma nova tecnologia, baseado no código QR Code. Os testes estão sendo feitos desde janeiro em dois distritos da cidade – Joaquim Egídio e Sousas. Ao invés de dinheiro, o usuário vai adquirir um bilhete com um código gráfico (QR Code) fora dos ônibus, que ele vai poder comprar em mais de 400 pontos de venda espalhados pela cidade”, diz Barreiro.
O sistema QR Code (Quick Response Code, ou Código de Resposta Rápida na sigla em Inglês) é um código de barras bidimensional, impresso em papel, que armazena dados e caracteres. O ticket terá a codificação da tarifa. Após comprar nos pontos de venda que estarão espalhados pela cidade, o passageiro validará seu código no interior do ônibus. “Os validadores para todos os ônibus utilizam sistema infravermelho, e já foram encomendados pela empresa responsável pela tecnologia”, diz o secretário.
Barreiro estima que já na primeira quinzena de junho todos os 1.250 ônibus que operam em Campinas já terão os validadores instalados, e a partir daí novos testes serão realizados por mais 90 dias. Assim, antes do fim do ano não haverá mais dinheiro em circulação nos ônibus da cidade. “A consequência disso é que não haverá também mais cobradores no sistema de transportes de Campinas”, ele afirma.
COMO SERÁ FEITA A LIGAÇÃO COM VIRACOPOS: TRILHOS (VLT / MONOTRILHO) OU PNEUS (BRT)?
Viracopos é atualmente o principal aeroporto de cargas do País, e Barreiro estima que nos próximos cinco anos ele alcançará a marca de principal aeroporto de passageiros. “É preciso organizar uma solução de mobilidade para a ligação aeroporto-Centro”, diz Barreiro.
O estudo de viabilidade já está sendo realizado por uma importante empresa de consultoria, que irá definir qual modal será o mais adequado. Os recursos para bancar o estudo, que custará R$ 1,2 milhão, foram garantidos pelo ministro das Cidades, Bruno Araújo, na mesma ocasião em que esteve em Campinas e autorizou o início das obras dos corredores do BRT (março/2017).
Barreiro afirma que tanto as soluções do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), como a do monotrilho, que é menor que um metrô e corre sobre vigas de concreto a 15 metros do chão, estão sendo analisadas. Há também a possibilidade de se fazer uma extensão do BRT, já que o futuro corredor chegará próximo ao aeroporto.
“O estudo busca respostas para perguntas que são essenciais: quais os trajetos possíveis? Qual o custo de cada alternativa? Qual a melhor tecnologia para atender a demanda?”. Até outubro Campinas terá a resposta do estudo: a ligação do Centro da cidade com o Aeroporto de Viracopos, de cerca de 20 km, será feita por trilhos ou sobre pneus?
CAMPINAS SUSTENTÁVEL: UM HORIZONTE PARA 25 ANOS
Além do Plano Diretor, que está sendo revisto pela atual Administração, Barreiro conta que a cidade terá, em breve, um Plano Viário, um estudo ambicioso que projetará um horizonte de futuro para Campinas, já para os próximos 25 anos.
O Plano buscará respostas a perguntas essenciais que toda cidade deve ter. “Para onde Campinas crescerá? Como ela irá se estruturar em seus deslocamentos?”, diz Barreiro. “Será a primeira vez que a cidade terá um Plano como esse, essencial para garantir um planejamento urbano sustentável e realista, que reduza as incertezas que, muitas vezes, levam muitas cidades ao caos urbano”, ele diz.
Barreiro garante que a Administração municipal finaliza o Plano Viário este ano. Na sequência, a Prefeitura vai transformá-lo numa Lei Municipal, para garantir que a cidade possa ter vetores de crescimento perenes que orientarão seu crescimento.
“Uma cidade com menos poluição, menos trânsito, menos dependência do automóvel, mais caminhável, onde andar a pé seja um prazer, uma maneira de se relacionar com a cidade e suas pessoas em segurança: mais do que sonho, esse é o projeto que estamos construindo”, finaliza o secretário.
Alexandre Pelegi, jornalista especializado em transportes